domingo, 1 de maio de 2016




O pensador alegórico
A historiografia narra as ruínas de seu tempo, "ruínas representam aqui justamente a síntese paradigmática entre tempo e espaço; a ruína é uma imagem-tempo"*17. A destruição do presente na ruína é representada fortemente pela teoria da alegoria. Para Benjamin, a alegoria está ligada a uma "reabilitação da temporalidade e da historicidade em oposição ao ideal que o símbolo encarna"*18; nesse sentido, pode-se pensar a alegoria em contraposição à idéia de passado eterno, o que determina uma outra compreensão da história, pois o sentido da totalidade se perde a partir do momento em que um pólo duradouro deixa de existir, anunciando a fragmentação/desintegração daquilo que parecia uno. Na alegoria, está presente a tensão entre duas forças que coexistem: eternidade e transitoriedade, ela "ressalta a impossibilidade de um sentido eterno e a necessidade de perseverar na temporalidade e na historicidade para construir significações transitórias"*19, como se pode observar no seguinte excerto de um poema de Baudelaire:
As formas fluíam como um sonho além da vista,
                      Les formes s'effaçaient et n'étaient plus qu'un rêve, Um frouxo esboço em agonia,
                     Une ébauche lente a venir, Sobre a tela esquecida, e que conclui o artista
                     Sur la toile oubliée, et que l'artiste achève Apenas de memória um dia.
                     Seulement par le souvenir.
A alegoria pode ser interpretada também como uma operação crítica3 de apropriação deformadora, um "exercício de ressignificar infinitamente o mundo [...]. A alegoria baudelairiana [...] nasce do sentimento de transitoriedade que é radicalizado com o advento da cidade moderna"*22, ela confere, no presente, a presença*23. Nesse sentido, o trabalho do poeta se configura como autodestruição criadora, uma imagem nunca acabada – a memória do presente. A cidade se transforma em ruína, a forma muda rapidamente, e tudo se transforma em alegoria, como diz o poeta no poema "Le cigne"; o culto das imagens em Baudelaire se deve à consciência da efemeridade eterna das coisas, da destruição permanente, da presença do sentimento de "agoridade", momento em que o tempo passa a ser compreendido como um espaço de passagem e seu trabalho se inscreve na irreversibilidade do tempo. Segundo André Hirt, é a singularidade de uma beleza alegórica que Baudelaire define como modernidade.*24


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